sábado, 15 de agosto de 2009

Mértola - O Apogeu E As Quedas - Pág 5


Um Livro Electrónico
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Ter-me desviado um pouco da abordagem do fim da Época Islâmica e das actividades que durante esse período aqui ocorreram sobre os recursos minerais, para falar de Moreanes e Santana de Cambas, é porque estas duas localidades estão bem no coração das actividades mineiras. E Mértola, como já sabemos, esteve sempre inscrita nas antigas rotas do Ouro, da Prata, do Cobre e do Estanho.
O brilho de Mértola, enquanto polo de dinâmicas comerciais e civilizacionais, não teve sempre a mesma intensidade. E tenho noção exacta de que cidades em outros pontos geográficos do ângulo mediterrânico, a superam em projecção e dinâmica. Mas aqui falo do Interior. De um ponto já muito recuado nas rotas de navegação fluviais da antiguidade, a que Mértola ainda teve acesso. Dada a natureza do seu Rio, navegável ao longo de 70 quilómetros, daqui até ao Golfo de Cádiz.
Três ou quatro aspectos fundamentais guardam ou revelam o que me trouxe a este ecrã. E de forma generalizada, ao universo da comunicação. Atravessando sempre o espaço, orientado pelo sentir que me nasce do relacionamento íntimo com estas paisagens.
Ter tido a oportunidade de presenciar a Mina de S. Domingos ainda a trabalhar em seus derradeiros dias, e ter sido um pequenino protagonista do drama representado na realidade sobre o palco do seu inferno, são aspectos, a par dos que se seguiram, componentes sócio culturais que de imediato se sedimentaram em mim como genéticas, não podendo nunca mais deixar de as ter como referências cruciais, em todas as minhas orientações e escolhas.
Ter observado o meu primeiro ecrã no fundo branco da parede do meu quarto, ao despertar de uma sesta, e as imagens da rua em frente que nele se projectavam e moviam inversamente, emitidas a partir de um pequeno orifício que havia na janela atrás de mim, a envolverem-me como se no interior de uma câmara de cinema gigantesca, tomei aí noção solitária, de que aquele momento, mais era uma informação e uma ordem surpreendentes, que eu tinha de interpretar e seguir. Certamente que este acontecimento, ocorreu antes da minha primeira visita a Mértola, ainda não tinha 5 anos de idade.
Não menos influentes, foram a minha proximidade afectiva a José Afonso. O grande comunicado que o seu espírito irradiou na Obra Cantigas do Maio, forçando o acontecimento do 25 de Abril de 1974. Projectando a coragem e a poesia de uma revolução de flores, através de uma ordem cósmica, até hoje oculta, e nunca suficientemente analisada pelos seus auditores e até pelos seus companheiros de carreira.
Cantigas do Maio, é o anúncio prévio e consumado da maior expressão de Liberdade e de Amor que através de Portugal, o Mundo até hoje conheceu e ainda mal experimentou. O Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, só não resvalou para uma tragédia de proporções colossais, porque aquele disco foi escrito e publicado poucos meses antes. E também porque, o sentir magestoso de Salgueiro Maia o interpretou plenamente, e agiu a partir dos referenciais de José Afonso. Foi só por isso, apenas por este fenómeno cósmico, de uma precisão matemática inda não estudada, que o Golpe de Estado de Abril se transformou numa Revolução de Flores.
José Afonso, queria cantar na Festa do Avante e a direcção do maior evento cultural de Portugal, não lhe facilitou ali a entrada durante muitos anos. José Afonso diluía em si uma dor tremenda afecta a esta realidade. Estes são os inconfessáveis pecados da esquerda, com as suas culpas de cartório, em todo o processo posterior, em que as mentes empedernidas procuraram neutralizar a esquerda, com a própria assinatura da esquerda. Permitiram-se e trouxeram-nos por isso, em regressão à insuficiência e ao escuro. Senti aqui a última oportunidade histórica de Portugal desfeita, como há 2080 anos a Lusitânia, perecendo outro sonho imenso, como se o de Viriato, uma segunda vez.
José Afonso veria finalmente a proposta para a sua actuação na Festa do Avante de 1982. Perante uma audiência gigantesca, extraordinariamente dinâmica e feliz, eram 7 da tarde de Sábado no Alto da Ajuda. Lembro cada um daqueles rostos, formando a mais bela multidão até hoje por mim observada. O Armando Carvalheda pôs-me dentro do palco e eu cantei com o Zeca, As Sete Mulheres do Minho. José Afonso já estava doente e algo debilitado. Adriano Correia de Oliveira tinha morrido de desgosto recentemente. Aí já era tão tarde... Para tantas coisas... Por tantas perdas...
Premeditarem os homens do Poder, qualquer que seja o Poder, o assassinato de sonhos desta grandeza, constitue-os eternos arguídos nos repetidos colapsos da movimentação da Humanidade.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 8/2009

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Mértola - O Apogeu e as Quedas - Pág.4

Um Livro Electrónico
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Derivando da antiguidade remota, para um passado ainda fresco nas memórias e nas palavras de tantos, Mértola protagonizava uma cobiçável vantagem em comunicações, riquezas minerais, comércio e centro estratégico de logística e de defesa. Foi assim até ao fim do Período Islâmico, aqui encerrado por decreto da Ordem de S. Tiago e Espada em 1238. Em vigor estão ainda até aos nossos dias, as leis dos relacionamentos das gentes com o meio. E entre si mesmas, nos indeléveis traços culturais e humanos mais consagrados, a que os decretos e as mudanças dos regimes são incapazes de pôr fim.
Sabia-se desde sempre, que as franjas do Império Romano que se ocuparam desta região, depois de neutralizado o seu mais resistente opositor, exerceram intensa actividade mineira em S. Domingos. Desse tempo, se perpetuaram até ao presente as extensas galerias escavadas à medida de corpos esbeltos, que os mais arrojados admitem terem sido as crianças, as principais visadas como força de trabalho naquelas masmorras infernais.
Recentemente, interpelando o meu mestre de humanidades, Dr. Cláudio Torres, sobre se a exploração dos metais tinha sido motivo de desinteresse durante a ocupação islâmica, acabou por me definir que assim se pensou durante muito tempo. Mas informações recolhidas recentemente, como quase tudo do antigo que se nos devolve novo ao presente, revelam que os Árabes tiveram aqui importante actividade de exploração mineira. Ao contrário do que praticamente até hoje se veiculou.
Mértola sempre dependeu mais da mineralogia, da troca e do contacto, do que propriamente das actividades de produção agrícola. Os solos de Beja e de Serpa, de Moura e de Castro Verde, até Aljustrel e Almodôvar, são férteis e generosos. Mas os de Mértola, embora não indiferentes, são menos substanciais, adequando-se mais às silviculturas, pastorícia de menor escala e pequenas hortas. Campos fundamentais da subsistência alimentar das comunidades que aqui se assentaram, lhe deram a forma e a garantia da sua progressão através dos tempos, e por isso, igualmente ricos de generosidade e de nobreza.
A Minha Aldeia é Santana! Cantou o Poeta António Rosa, quando quis dizer, Moreanes é o Meu Povo! Na verdade, as duas localidades são satélite uma da outra. Santana é a Sede de freguesia, mas Moreanes é o seu primeiro pólo de contacto com as vias de comunicação nacionais. Santana, mais oculta atrás dos cerros que quase a fazem resvalar para Espanha, sempre sentiu um inconfesso ciúme de Moreanes, talvez pela posição mais vistosa de que esta desfruta. Mas nos últimos tempos, os laços entre as duas povoações têm-se solidificado.
O Poeta António Rosa, embora já falecido, continua a ter razão. As duas são no seu amor intemporal, uma só. E por muito tempo que demore, a natureza inspiradora dos Poetas, acabará por constituir uma curiosa descoberta, na razão que não lhe foi dada, aquando dos actos das suas revelações. Porque não evocar Luis Vaz de Camões, ou mesmo Antero de Quental...?
Talvez por isso, se situem os Poetas à frente do tempo. Se os políticos percebessem capazmente o fenómeno, os recursos estariam mais de acordo com as necessidades objectivas das sociedades. Não se deixariam certamente controlar pelo poder financeiro ou aliciar pelos seus vícios. Mantendo na via do progresso as responsabilidades em que os eleitores os investiram e lhes confiaram no acto de votar. Ao mesmo tempo que valorizavam a necessidade constante de evolução da própria Democracia, no sentido de debelar as suas enormes misérias. Apesar da diversidade ideológica, do necessário debate decorrente das diferenciadas opiniões e correntes político-partidárias, talvez os detentores do poder, ou os que lutam por ele, se soubessem colocar mais de acordo com os seus deveres de coesão e pacificação das sensibilidades colectivas. Tornando-as mais disponíveis para a participação e integração na própria cidadania. Ou será que se preferem mais os obedientes em lugar dos críticos...?! Não fora os sinais de exemplares exercícios governamentais, que fazem de Portugal a vanguarda e o espelho da dignidade social no Mundo, quase mil anos depois da sua fundação...
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 6/2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Mértola - O Apogeu e as Quedas - Pág.3

Um Livro Electrónico
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Se de sonhos se enraízam as grandes criações do Homem, não menos reais são as terríveis crueldades que os desfazem. O projecto da antiga Lusitânia, com a sua imponente e inspiradora capital na Mérida dos nossos dias, de seu nome à época, Luzcitânia, que é como dizer, Cidade da Luz, foi um sonho abortado pelo gume de um punhal sobre o corpo e a vida de Viriato. Setenta anos antes de Jesus da Galileia, ter tido pelas mesmas razões, destino não muito diferente.
Não se interrogarão os Homens, sobre a confusa névoa do seu espírito, que de tão brilhantes feitos se vangloriam sobre a pobreza do Mundo, para me fazerem acreditar que este não pode dar de comer a todos, e ocultarem a infinita miséria das consciências, habilmente cimentada nos seus manuais de hipócrita filosofia.
Portugal é hoje o que é, sempre à toa com as contas do orçamento de cada ano; a insinuar a pré legalização da falência do sistema de saúde e segurança social aos cidadãos; os altos défices do seu banco alimentar, importando de todo o lado comida de qualidade rasca e interditando as suas terras de produzir outra melhor; lamenta num dia ter-se separado de Espanha, e no outro festeja dela a sua independência. Como tal nunca soube realmente o que quis, ou o que quer dizer Lusitânia. E se há Cátedra que o possa imaginar, também essa se recusou até hoje, ensiná-lo com os vitais requisitos de dignidade e de amor. Salamanca sabe mais de Viriato, que alguma vez qualquer cidade portuguesa.
Mértola estava no meio. Dos seus atributos de rainha, ou se quisermos, apenas de princesa, narram as escrituras recentes, que as suas gentes antigas sempre aqui permaneceram, devotas aos seus atractivos e encantamentos. Trocaram-se ao longo dos tempos os acupantes do Poder, mas as comunidades que habitavam o território foram sempre as mesmas. Fiéis portadoras de uma herança constante, transmitida ineterruptamente entre as sucessivas gerações, através dos Séculos e dos Milénios. Aqui foram sempre os mercados e a aculturação por estes estimulada, que integraram os que vieram. Nunca existiram batalhas e cercos para expulsar populações. Nunca as religiões se sbstituíram bruscamente por outras, nem nunca em tempo algum o significado de Civilização se conseguiu ou poderá definir, pelo terror das armas e dos comportamentos.
Não é este um texto de memórias. Procura sim, ser um compêndio de constatações. Um manual de trabalho permanente, que vai surgindo ao ritmo das lembranças, das regulares visitas aos manuais dos autores que a sabem melhor que ninguém, das ocorrências observadas presencialmente e dos acontecimentos em que fui ou ainda sou protagonista. Fazendo de pêndulo que se desloca ao passado e ao futuro, tornando-se talvez por vezes um puzle porventura complexo, mas nunca impossível de destrinçar. Que procura acima de tudo ser útil e saboroso, pelas trajectórias percorridas, aqui disponibilizadas, e ainda pelo fio de luz e de sonho que deixa adiante dos acontecimentos. Compensação que sinto maior, para todos os que lhe dedicarem tempo para o ler, e no âmago, talento para o recriar.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 6/2009.
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quarta-feira, 27 de maio de 2009

Mértola - O Apogeu e as Quedas - Pág. 2

Um Livro Electrónico
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Nasci aqui sob o jugo de Salazar e de um peculiar braço do Império Britânico, que manteve durante mais de um Século toda esta região dependente da exploração do cobre e do enxofre, depositados nas excepcionais jazidas da Mina de S. Domingos. A 17 quilómetros de Mértola e a apenas 6 da minha aldeia.
Depois de mais de 100 anos de intensa actividade, nesta sua última fase de exploração, em 1963 a poderosa mina inglesa declarou falência. O meu pai foi o último mineiro a abandonar as instalações da empresa, assistindo ao seu total desmantelamento, sem salários até 1966. O que restava da população mineira é mergulhado num fosso de carência e desespero, só comparável aos efeitos dos grandes conflitos terrestres. Perante um total alheamento e silêncio das autoridades governamentais portuguesas.
Aqui existia uma mercearia que nos abastecia de tudo o que as hortas e capoeiras não conseguiam produzir. Ao momento do encerramento da mina, assisti nos meus 7 anos de idade, aos prantos sucessivos das pessoas que vinham pedir géneros a crédito. Sendo as suas dívidas já demasiado antigas para que pudessem pedir fiado de novo com alguma dignidade. Por vezes, o proprietário da loja, de seu nome António Bartolomeu Nolasco, chorava a par de quem lhe pedia. E sempre o observei a ceder. A dar os alimentos na sua solidariedade infinita, que a fome de mais um dia de crueldade não permitia retrair e evitar.
Mértola avistava-se da margem esquerda como um morro escalvado e decrépito. Como símbolo de um Estado e de uma Nação moribundos, há muito distanciados do Mundo e terrivelmente ausentes de si mesmos.
Entrar em Mértola antes da minha primeira partida para Lisboa, era regressar inevitavelmente à mesma sensação de desconforto e repulsa causada pelo nosso primeiro encontro. Nada nela me seduzia. Apenas o seu majestoso e enigmático rio, me sugeria naquele período o fascínio, que a urbe ameaçada na sua ausência de brilho e no seu sono latente, era incapaz de me proporcionar.
A antiga cidade do Império Romano, Myrtilis, foi um importante porto fluvial. De onde o Guadiana se lança sobre as águas do oceano e a tornavam rainha do seu tempo e do seu território. Aqui aportavam os mercadores do ouro e dos tecidos; das vasilhas; das especiarias e dos cereais.
Mas muito antes dos legionários representantes de Roma ocuparem esta região da Península, já aqui se navegava e comerciava intensamente. Por resultado das expedições e assentamentos fenícios, que lhe deram as primeiras formas e lhe esculpiram nas pedras, as letras do seu nome indelével.
Aqui viria a estacionar Viriato, recrutando e treinando homens dos clãs, contra as guarnições romanas a caminho da Bética, hoje o lugar da Andaluzia. Deixando gravada a marca de uma Nação sonhada, medida no seu olhar e na sua enorme sensibilidade desde o alto dos ermitérios. Mas que, o acto cruel do seu assassinato deixaria para todo o sempre inviabilizada.
Se ao invés dos acontecimentos que vitimaram Viriato, os seus objectivos se tivessem consumado, Portugal não se reconheceria pelo nome que tem. Talvez Lusitânia, fosse a palavra chave para o segredo multi milenar, que chegou a traçar em diagonal a linha de conjunção das duas futuras Nações Ibéricas, desde o Nordeste da actual Galiza, até ao extremo Oriental do Termo de Granada.
O secular insucesso de Portugal, é a consequência daquele crime, que despertou a revolta dos Deuses até à eternidade. Tornando claro que qualquer projecto de intenções que se assente em tal ignomínia, será perpetuado no fracasso e conduzido por fim, à extinção. Tal como o foram e serão extintos todos os Impérios. Erigidos na perspectiva da ganância, na apropriação indevida dos recursos ou bens que a outros pertençem, modelados na estratégia dos actos de traição e de sujeição à violência entre os seres humanos.
Que faltará aos Centros de Juízo e Inteligência, a que vulgarmente chamamos Universidades, para entenderem o fenómeno e decidirem que o sentido primordial das orientações, tem de ser radicalmente oposto àquele que têm subscrito, ministrado, e continuam ingénua, malévola, ou estrategicamente a ministrar. [Continua]

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terça-feira, 26 de maio de 2009

Mértola - O Apogeu e as Quedas - Pág.1

Um Livro Electrónico
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Vi Mértola pela primeira vez, tomando consciência dessa observação quando tinha apenas uns cinco anos de idade.
Minha mãe, ao atravessarmos o Rio Guadiana, da margem esquerda para a direita, onde ficam os poderes, o comércio, o grande volume do seu casario e população, ainda lembrava os restos da segunda guerra mundial, expressos no racionamento de géneros imposto por Salazar a toda população.
Isto obrigava as mulheres a léguas de caminho com cântaros de azeite e sacos de farinha para as fornadas de pão. Muitas vezes, regressando vazios tal como partiram de casa. Por tão longa a caminhada; por tão escassos os alimentos; por tão acre a fome dos humildes; por tão vil e cáustica a acção dos que a provocam.
Na margem esquerda, de onde se observa toda a extensão longitudinal de Mértola, artisticamente colocada sobre o promontório que liga o Rio Oeiras ao Guadiana, ainda estão hoje as fábricas de moagem de cereais implantadas por força da campanha do trigo, agitada no início do Estado Novo. Hoje só aqui estão as estruturas do edifício. Era aqui que as populações se dirigiam, percorrendo a pé ou de burro enormes distâncias, para que lhes coubessem três ou cinco quilos de farinha por família, em cada semana.
Daquela minha primeira visão de Mértola, restou-me uma sensação de tédio que só viria a dissolver-se no fluxo de promessas e generosidade exibida pela Revolução de 25 de Abril de 1974. Acontecimento que vivi já em Lisboa no meio das movimentações, dada a minha condição de migrante, consequência do êxodo massivo a que as populações do interior português estiveram sujeitas durante décadas a fio. Em consequência da escassez de meios aqui sempre crescente e por se imaginar que a vida nos grandes centros nos era mais folgada e promissora.
Na pequena aldeia de Moreanes, minha comunidade de nascimento e de infância breve, não residiam mais do que meia centena de habitantes, no final dos anos 60. O ambiente e as condições de vida desta povoação, quando Abril deu Portugal à Luz, eram as de um lugarejo recôndito, escondido e condicionado pelos restos do tempo e dos hábitos medievais. Iluminava-se ainda à luz de candeia de azeite, lavavam-se as roupas nos pequenos riachos, aqui chamados barrancos, defecava-se ao ar livre atrás dos muros das cercas e a saúde era primeiro atendida com mezinhas e rezas de curandeiros, e só raramente no que se imaginava ser um hospital. [Continua]
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores.
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