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Se de sonhos se enraízam as grandes criações do Homem, não menos reais são as terríveis crueldades que os desfazem. O projecto da antiga Lusitânia, com a sua imponente e inspiradora capital na Mérida dos nossos dias, de seu nome à época, Luzcitânia, que é como dizer, Cidade da Luz, foi um sonho abortado pelo gume de um punhal sobre o corpo e a vida de Viriato. Setenta anos antes de Jesus da Galileia, ter tido pelas mesmas razões, destino não muito diferente.
Não se interrogarão os Homens, sobre a confusa névoa do seu espírito, que de tão brilhantes feitos se vangloriam sobre a pobreza do Mundo, para me fazerem acreditar que este não pode dar de comer a todos, e ocultarem a infinita miséria das consciências, habilmente cimentada nos seus manuais de hipócrita filosofia.
Portugal é hoje o que é, sempre à toa com as contas do orçamento de cada ano; a insinuar a pré legalização da falência do sistema de saúde e segurança social aos cidadãos; os altos défices do seu banco alimentar, importando de todo o lado comida de qualidade rasca e interditando as suas terras de produzir outra melhor; lamenta num dia ter-se separado de Espanha, e no outro festeja dela a sua independência. Como tal nunca soube realmente o que quis, ou o que quer dizer Lusitânia. E se há Cátedra que o possa imaginar, também essa se recusou até hoje, ensiná-lo com os vitais requisitos de dignidade e de amor. Salamanca sabe mais de Viriato, que alguma vez qualquer cidade portuguesa.
Mértola estava no meio. Dos seus atributos de rainha, ou se quisermos, apenas de princesa, narram as escrituras recentes, que as suas gentes antigas sempre aqui permaneceram, devotas aos seus atractivos e encantamentos. Trocaram-se ao longo dos tempos os acupantes do Poder, mas as comunidades que habitavam o território foram sempre as mesmas. Fiéis portadoras de uma herança constante, transmitida ineterruptamente entre as sucessivas gerações, através dos Séculos e dos Milénios. Aqui foram sempre os mercados e a aculturação por estes estimulada, que integraram os que vieram. Nunca existiram batalhas e cercos para expulsar populações. Nunca as religiões se sbstituíram bruscamente por outras, nem nunca em tempo algum o significado de Civilização se conseguiu ou poderá definir, pelo terror das armas e dos comportamentos.
Não é este um texto de memórias. Procura sim, ser um compêndio de constatações. Um manual de trabalho permanente, que vai surgindo ao ritmo das lembranças, das regulares visitas aos manuais dos autores que a sabem melhor que ninguém, das ocorrências observadas presencialmente e dos acontecimentos em que fui ou ainda sou protagonista. Fazendo de pêndulo que se desloca ao passado e ao futuro, tornando-se talvez por vezes um puzle porventura complexo, mas nunca impossível de destrinçar. Que procura acima de tudo ser útil e saboroso, pelas trajectórias percorridas, aqui disponibilizadas, e ainda pelo fio de luz e de sonho que deixa adiante dos acontecimentos. Compensação que sinto maior, para todos os que lhe dedicarem tempo para o ler, e no âmago, talento para o recriar.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 6/2009.
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